terça-feira, 23 de junho de 2015

MP vai investigar participação do Bope no Caso Amarildo

Imagens mostram que Bope estava na Rocinha quando pedreiro sumiu.
Peritos analisam volume suspeito em caçamba de veículo da corporação.

Do G1 no Rio
O Ministério Público vai abrir investigação para saber o que o Bope estava fazendo na Rocinha na noite em que o ajudante de pedreiro Amarildo de Souza desapareceu, em 14 de julho de 2013, após ter acesso e analisar novas imagens de uma câmera de segurança instalada nas proximidades da UPP da comunidade. Dez homens da corporação serão investigados. As informações foram exibidas com exclusividade pelo Jornal Nacional nesta segunda-feira (22). 
RJ Amarildo (Foto: Reprodução/GloboNews)O pedreiro Amarildo de Souza
(Foto: Reprodução/GloboNews)
As imagens foram gravadas na noite de 14 de julho de 2013, quase cinco horas depois de o pedreiro Amarildo ter sido levado para a sede da UPP na Rocinha.
A câmera fica num ponto estratégico da rua que é o único acesso para que carros cheguem à sede da UPP. As imagens mostram que relógio marca 23h59, quando chega um comboio com quatro caminhonetes do Batalhão de Operações Especiais (Bope).
Já se sabia que, naquela noite, o Bope esteve na Rocinha. Na época, o então comandante da UPP, Major Edson Santos – que já fez parte da tropa de elite da polícia – disse que pediu reforço porque havia risco de uma invasão de traficantes. Com a descoberta dessas notas imagens, no entanto, os promotores concluíram que não foi isso que aconteceu.
"A presença do Bope precisa ser realmente esclarecida. Tem uma justificativa oficial. Que era um ataque, a iminencia de um ataque a UPP, mas ai a gente vai la para as escutas dos traficantes, nenhuma movimentação de ataque a UPP, nenhum comentario nesse respeito. E você tem um outro dado, policiais que estavam ali foram dispensados, exatamente na hora em que o Bope é acionado. Então por que realmente o Bope foi pra lá?", pergunta a promotora de Justiça Carmem Eliza Bastos de Carvalho.
Peritos analisam imagens
As imagens mostram que a primeira e a segunda caminhonete do Bope chegam sem ninguém na caçamba. Só a terceira e a quarta caminhonetes têm policias armados na parte traseira. Cada uma, com dois homens.
Quando o comboio acaba de entrar, ainda não é meia-noite. Os promotores descobriram que todas as quatro caminhonetes passaram pelo local com os GPS ligados. Na sede da UPP, no entanto, o equipamento de um dos carros parou de funcionar à 0h24. Doze minutos depois, essa mesma caminhonete vai embora com o GPS desligado.
À 0h36, duas caminhonetes do Bope deixam a UPP. Na primeira, há dois policiais em pé e um sentado. Em seguida, sai o carro em que o equipamento de localização por satélite não funciona. Neste, a caçamba está mais cheia. São dois policiais em pé, um agachado e outro, do lado direito, sentado, com a perna para fora.
As imagens levantaram suspeitas no MP. Os peritos, no entanto, só confirmaram a suspeita quando trataram as imagens no computador as imagens da câmera de segurança. Eles usaram variações de luz e sombra, que são elementos básicos para revelar o volume e a profundidade de objetos.
“Isso já chamou atenção. Fugiu ao padrão das demais viaturas. Num primeiro momento, você olha a imagem, você não percebe nada. Graças ao trabalho da nossa pericia, que foi melhorando a imagem, aí você olha de novo.... Tá esquisito esse negócio”, afirma a promotora Carmem Eliza Bastos de Carvalho.
Volume levantou suspeitas
Foi esse ponto que chamou atenção dos promotores. Os peritos do MP enxergaram um volume, enrolado num material preto.

“As testemunhas falam que foi solicitado uma capa de uma moto. O que a gente conclui é que o corpo do Amarildo foi colocado naquela capa da moto. Uma capa preta e fechado com fita adesiva. Lacrado, né”, explica a promotora.
Ela acrescenta que a tecnologia ajudou. “Olhando, ninguém presta atenção. Mas com a tecnologia, foi aprimorando, aprimorando. Tem um volume aqui. Isto é um volume e o volume é compatível com um cadáver. É um cadáver, não sabemos. Tem que se investigar”, diz sobre as imagens.
“Não existe esse volume em nenhuma outra viatura do Bope que ali estava. Então, não podemos dizer que é um instrumento que o Bope carrega, não tem em outras viaturas, né”, acrescenta.
Sem câmera e sem GPS
Outro detalhe intriga os promotores.  A 550 metros da saída da UPP, as duas caminhonetes param numa rua, onde há mais duas câmeras.

Os policiais saltam e, um minuto e meio depois, os carros vão embora.
O MP diz que a iluminação da rua não permite ver o volume na caçamba. A caminhonete do Bope, no entanto, tem um banco. E os peritos não descartam a possibilidade de o volume ter sido colocado embaixo do assento. Essa imagem ainda está passando por novos exames.
Pelo GPS que continuou funcionando em uma das caminhonetes, os peritos do MP descobriram que os policiais levam quase seis minutos entre os dois pontos. Só que, nesse caminho, eles param por cerca de dois minutos num ponto cego, onde que não tem qualquer câmera de monitoramento.

“Vamos ter que investigar o que aconteceu nesse percurso. Tudo é possível, a gente não sabe o que aconteceu”, diz a promotora Carmem Eliza Bastos de Carvalho.

O MP afirma que o GPS da caminhonete que carregava o volume só voltou a registrar o itinerário 58 minutos depois de ter parado de funcionar.

“Na lista do Bope, ele informa que aquele GPS estava inoperante. Na lista da secretaria de Segurança, ele está funcionando normalmente. Mais um espaço de uma hora sem emitir sinal. Tudo isso tem que ser investigado, apurado, esclarecido.
Em nota, o Comando-Geral da Polícia Militar do Rio informou que determinou a abertura de Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar os fatos referentes às novas imagens divulgadas pelo Jornal Nacional.
Peritos independentes
A pedido do Jornal Nacional, dois peritos independentes também analisaram as imagens. “Por esta imagem, eu vejo um volume. Não posso determinar o que é o conteúdo desse volume. Mas tem um volume. Pode ser um corpo. Pode ser”, afirma o perito criminal Mauro Ricart, ex-diretor do Instituto de Criminalística do Rio.
O professor da Universidade do Estado do Rio, Nelson Massini, também deu sua avaliação: “A gente consegue visualizar que realmente ali existe um volume a ser protegido. Evidentemente que não consigo ver o que é esse volume, mas dá pra gente definir que tem um contorno e esse contorno lembra de um corpo humano”. E acrescenta: “Eles tão numa espécie de uma proteção. Ocultação e proteção dessa caçamba”.

“Eu costumo dizer que não existe crime insolúvel, existe crime mal investigado. Então, quando se tem um elemento qualquer que seja que repercute um crime dessa plenitude eu acho que deve ser investigado a fundo, com peritos, novos exames, pra que se dê à população do Rio de Janeiro uma resposta”, diz Mauro Ricart.

Entenda o caso
O caso envolvendo o ajudante de pedreiro Amarildo de Souza começou no dia 14 de julho de 2013. Policiais da Unidade de Polícia Pacificadora da Rocinha estavam atrás dele, pois achavam que Amarildo sabia onde os traficantes guardavam armas e drogas.
Eles levaram Amarildo, primeiro, até uma das bases da UPP, na parte baixa favela. Uma câmera registrou a última imagem dele: passava das 19h. Amarildo entrou num carro da PM, que subiu para a sede da UPP, no alto do morro.
O então comandante da unidade, major Edson Santos, sempre disse que Amarildo foi ouvido por poucos minutos e que depois saiu de lá a pé, sozinho. Mas a Polícia Civil e o MP não tiveram dúvidas que o major mentiu.

A conclusão dos investigadores, em outubro do mesmo ano, foi de que a tortura aconteceu atrás dos contêineres da UPP. O ajudante de pedreiro recebeu descargas elétricas, foi sufocado com sacos plásticos e afogado num balde por quase duas horas.
Vinte e cinco policiais militares foram denunciados por tortura seguida de morte. O então comandante da UPP, Major Edson Santos, quatro PMs que participaram diretamente da violência, 12 que ficaram de vigia e 8 que estavam dentro dos contêineres e não fizeram nada pra impedir o crime.
PMs que colaboraram com as investigações contaram que o major estava em um dos contêineres e que era possível ouvir gritos. Quando os gritos pararam, segundo eles, um policial entrou num almoxarifado e pegou uma capa de moto preta. Os promotores afirmaram que o corpo foi enrolado nessa capa.
Dos 25 réus, 16 também respondem por ocultação de cadáver. A polícia civil fez várias buscas na mata, mas nunca conseguiu encontrar o corpo de Amarildo de Souza.

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